Luana Galdino

registrando minha jornada

Luana Galdino
Oi, eu sou a Luana, e aqui você encontra o meu diário virtual sobre cotidiano, reflexões, aprendizados e experiências que a vida me deu. Escrevo para dividir um pouco das coisas que amo, me inspiram e que me fazem feliz. Esse blog é um lugar de respiro para quando preciso de uma pausa ♡

Lives NPC: aversão ao tédio, despersonalização e controle sobre o outro

Disse a mim mesma que viria fazer pequenos recortes e registros de coisas - tanto do passado, quanto do presente - que eu vivi e me deparei ao longo da vida cotidiana e trazer, em cima disso, minhas próprias reflexões, análises, pensamentos e conclusões. E hoje trago uma temática que nunca, mas nunca, eu imaginei que um dia iria escrever; sobre lives NPC, e toda a problematica que existe por trás delas. Pode parecer algo bem inofensivo e apenas mais um “entretenimento” temporário, mas será que realmente é?


Primeiro de tudo, o que significa a sigla NPC? É a abreviação de “Non Playable Character” que significa “Personagem não jogável”, e para você entender o que é isso, basta se lembrar de jogos de vídeo-game onde você se depara com aqueles personagens secundários que servem apenas para complementar o cenário do jogo e ocupar um espaço nele, mas não possuem uma função relevante. Apenas existem lá, mas não são protagonistas. Não são controlados por você, e sim pelo próprio “sistema” do jogo. Vai por mim, eu sou péssima para explicar coisas tecnológicas, mas de uma forma bem resumida, é isso.

De umas semanas para cá, eu tive a infelicidade e o azar de descobrir um novo formato de entretenimento que está rolando em algumas plataformas, e a principal delas, o TikTok. São lives em tempo real de pessoas “fantasiadas” com alguma personificação, por exemplo, um gato, uma rosa, um pirata, etc., fazendo os movimentos, imitando sons, expressões, frases, e se comportando de um determinado jeito, a partir de “recompensas” que os telespectadores enviam a essas pessoas durante a live. Essa prática tem se tornado altamente lucrativa, porque quanto mais “recompensas”, mais dinheiro essas pessoas ganham através da plataforma. Não sei exatamente como é a forma de monetização, mas vi algumas pessoas fazendo muita grana com esse novo “entretenimento”.

E existem algumas reflexões que consigo tirar disso. A primeira é a respeito do "like" como essência e produto principal de um não conteúdo, e não mais como uma consequência (ex: gostei desse conteúdo, me agregou valor e foi útil, então irei deixar o meu like e meu comentário como efeito de uma interação prévia). A segunda é a aversão a inatividade e o medo do inútil, do tédio e do não fazer absolutamente nada a ponto de preencher o tempo com algo insignificante que não configura um trabalho, como uma fuga da “pausa”. O terceiro é o quanto essas pessoas estão se colocando no papel de Non Playable Character, e o quanto esse processo configura despersonalização, anulação de sua própria identidade e a si mesmo em prol de um entretenimento.

Chamo isso de um não conteúdo, pois não há nenhum produto, nenhuma essência e nada entre o começo e o fim do consumo. É algo que não gera a necessidade de uma presença genuína e uma atenção focalizada para um possível entendimento de algo. A maioria de nós - sejam criadores, blogueiros, professores, empreendedores digitais, escritores - precisamos ter um conhecimento/repetório prévio, um entendimento, ter bem claro o que podemos entregar através da nossa fala, nossa escrita, nossas ideias, nossas reflexões. Por exemplo, se eu for dar uma aula sobre saúde mental, preciso ter algo para entregar no tempo dessa aula, e até mesmo um comediante diante de uma prateia precisa de alguma fundamentação e base para gerar uma reação no público, mesmo que seja a lógica de uma piada. É sobre a entrega.

Mas qual está sendo a entrega nesse tipo de não conteúdo fomentado pelas lives de NPC? Claro que existe uma entrega nelas, mesmo que invisível, e até você finalizar a leitura desse texto você vai entender o que exatamente é ela.

Nesse formato, o pedido do like/recompensa é a essência da live. Não há mais nada. Não há troca, diálogo, conversa, assunto, tema, interação, aprendizagem. E por mais absurdo que seja isso, é extremamente honesto. Sabe aquelas pessoas em situação de rua que pedem uma “esmola” no semáforo ou quando você está saindo de algum lugar? Ela apenas chega próximo a você e pede, sem mais delongas, não é? Não digo que as duas situações sejam iguais, pois são contextos extremamente diferentes, porém o mecanismo embutidos em ambas é o mesmo. Esse é o primeiro ponto.

A segunda reflexão que trago, na verdade, o segundo ou terceiro pensamento que tive me “deparando” sem querer com esse troço foi “porque diabos alguém gastaria o seu precioso tempo consumindo esse tipo de não conteúdo?” Eu jurei para mim mesma que não haveria de ter uma boa explicação que pelo menos justificasse, mas tem sim, pelo menos uma das mais óbvias para mim: uma fuga do tédio.

Estamos o tempo todo sendo bombardeados por estímulos, sejam visuais, sonoros, informativos, dados, sons, informações. Nossa mente é um grande computador que não para um segundo se quer. Além disso, temos todas as facilidades do mundo ao nosso dispor, bem na palma da nossa mão. Não precisamos mais desprender tanto tempo, energia e esforço em coisas que hoje fazemos com um clique, diferente de antigamente. Não estou aqui para julgar os avanços da sociedade, até porque eu os amo, mas acredito muito no uso consciente e lógico dos recursos que temos ao nosso dispor.

Mas por esse ritmo de vida frenético, onde toda hora temos que estar atentos, sem perder absolutamente nada de “útil”, ficando vidrado 24h por dia em nossas redes sociais, ou acompanhando as fofocas do mundo dos famosos, ou vendo os últimos lançamentos da Netflix, respondendo quase que imediatamente as mensagens, e-mails e directs, nossa mente está sobrecarregada de trabalho, de estudo, de vida social, de lazer, de vidas perfeitas sendo mostradas o tempo todo por algoritmos, e que quando chega o momento de pausa, de descanso, de um dia off, é simplesmente impossível se desconectar, ou melhor, se torna insuportável estar desconectado.

É estranho olhar para o nada, contemplar o céu azul, respirar fundo, sentar no chão, fazer uma caminhada ou simplesmente existir e estar presente sem essa tonelada de informações chegando a todo momento. É um treino. Exige um baita esforço. Não é à toa que a meditação é uma prática tão simples e ao mesmo tempo complexa.

Odiamos o tédio, porque é nele que nos deparamos com nossas angústias profundas, aquelas que não dizemos para absolutamente ninguém, que escondemos até mesmo de nós mesmo. É através do silêncio proposital que olhamos para a nossa vida, que nos compreendemos, que damos qualquer sentido a nossa caminhada, sem que seja sobreviver em um ciclo interminável de piloto automático.

Temos medo da inutilidade, e por carregarmos esse medo, temos que ser úteis de alguma maneira, mesmo que ela seja fantasiosa e emburrecedora.

Parece errado sentar e não fazer nada. É aí que as lives de NPC entram, porque elas são uma maneira de negar o tempo de descanso e pausa, mas sem nos ocuparmos com algo relativamente profundo ou algo que nos dê muito trabalho, mas sem parecer que é uma escolha fútil. O mundo tão acelerado, produtivo e dinâmica nos deixa com aquela cicatriz de “preciso ocupar o meu tempo com alguma coisa, mas na verdade eu deveria estar descansando”, e parece perfeito encaixar esse espaço na nossa vida não preenchido consumindo esse não conteúdo. Acho que nem preciso dizer mais nada, não é?

Você acredita que vale tudo por dinheiro? Seja sincero. Você faria? Existe algum limite? Aqui acabamos de adentrar o terceiro ponto.

Não quero julgar de forma pejorativa quem faz live NPC, porque fico imaginando um parente meu ou uma pessoa muito querida fazendo isso; qual seria a minha primeira reação? Não sei, mas primeiramente eu tentaria entender porque ela está escolhendo isso. Talvez ligar os pontos e entender o que está por trás dessa escolha, porque existe um grande repertório por trás de cada decisão que fazemos, por mais que pareça ou seja tosco a primeira vista.

Em sua origem, NPC é um personagem inútil, sem o mínimo de relevância, é apenas uma marionete, um ser sem vontades próprias, seguindo um “script” dado por uma sequência de códigos de maneira repetitiva, e as pessoas que fazem isso, de alguma forma, estão se tornando apenas uma ferramenta do entretenimento, passando horas e horas sem a sua personalidade, originalidade, presença, ou qualquer sinal de individualidade.

Você aceitaria vestir essa roupagem? Você venderia a si mesmo em troca de “favores”?

Eu não acredito que essas pessoas estão “fazendo tudo” pelo dinheiro, e sim fazendo de tudo para se anularem cada vez mais em prol do entretenimento. Aquela pessoa ali, fantasiada de uma temática, torna-se uma marionete, e toda marionete tem o seu corpo, e suas vontades e suas decisões guiada por alguém, e nesse caso, é o público.

É um pouco estranho, mas toda essa dinâmica tem uma pegada meio sádica, porque quem consome esse tipo de não conteúdo e o alimenta através dessas recompensas é como se tivesse o “controle” sobre o outro. “Eu mando e ele faz. Ele cumpre as minhas ordens. Ele me obedece. Está fazendo o que exigi que fizesse.”

No fundo, é exatamente assim que essas lives funcionam. E esse é o produto que falei antes: o controle real sobre o outro. Me lembra muito de uma série chamada Black Mirror. Você provavelmente a conhece; eu assisti apenas uns 4 ou 5 episódios, porque eu não tenho coragem de me deparar com a profundidade da série e nem o vazio existencial que fica depois de horas e horas refletindo sobre o assisti - é muito perturbador. Será que esse controle absoluto sobre o outro não gera pertubações em quem precisa repetidamente executar os comandos, como uma marionete? Será que não tem o poder de destruir o emocional de alguém ao longo dos dias entrando num personagem que já vem sem uma utilidade e relevância para o contexto?

Para algumas pessoas, ser dono do próximo pode ser algo altamente prazeroso e recompensador, porque afinal, já existem pessoas que tentam controlar e manipular outras na vida real, até com parentes e familiares, imagine com desconhecidos e levando isso para uma dinâmica digital.

Como que fica a nossa dignidade depois? Tanto de quem faz, e quem consome?

Se na vida real, existem alguns empregos que levam o termo “precarização do trabalho”, comparando com o digital, esse seria considero um trabalho precário comparando com todas as formas de “ganhar” dinheiro no digital. É o submundo do submundo.

Li esse comentário em um vídeo do YouTube, e achei sensacional: “Não fazer tudo pelo sucesso é um grande passo para tê-lo.” E acho que essa frase resume muito bem todo esse longo texto, independente se for pelos likes, pela fama, pelo sucesso, pelo dinheiro, porque se tem algo que fica para sempre conosco é quem nos tornamos a partir das escolhas fizemos. A nossa consciência prevalece sobre todas as coisas.

Tentei o máximo possível não tornar esse texto uma crítica, e talvez ele tenha SIM se tornado realmente uma crítica, mas não no sentido pejorativo da palavra, mas no sentido melhor possível: alertar, deixar perguntas e vocês que lutem para respondê-las. Existe muito além do que conseguimos ver e compreender na superfície, por isso achei essencial deixar registrado esse momento histórico vivido pelo mundo, porque talvez ajude as pessoas a repensarem comportamentos considerados e tidos como “normais” e “inofensivos” antes que se tornem uma catástrofe em massa. Enfim, se você leu até aqui, obrigada, demorei 1h para escrever esse texto, e você ler até aqui já valeu a pena.

Qual a sua opinião sincera sobre isso?

Até o próximo post ☕

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