Autoconhecimento é um tema que eu acesso desde o começo da minha adolescência, e sempre carreguei muitas dúvidas e pontos de interrogação sobre isso, e por mais que eu tenha acessado muita informação ao longo dos últimos anos, autoconhecimento nunca me pareceu ser apenas sobre saber o que gostamos, e o que não gostamos, o que queremos e o que não queremos. Respostas assim sempre me pareceram muito rasas e insuficientes, e nesse post, vou compartilhar um pouco da minha visão sobre o autoconhecimento.
A premissa principal do autoconhecimento é responder a seguinte pergunta: quem sou eu? Essa é a base desse processo: descobrir, acessar & explorar quem você é. E o primeiro passo para resgatarmos essa conexão com quem nós realmente somos, é entender quem nós NÃO somos. O primeiro passo do autoconhecimento, um passo que dura anos, é desconstruir essa identidade irreal que criamos para nós.
Se você parar para refletir por um minuto, sempre que alguém pede para você se apresentar, é muito natural que comecemos explicando quem somos através do nosso nome, da nossa idade, da nossa profissão, do nosso cargo. “Olá, eu sou fulano. Tenho tantos anos, sou de tal profissão”, etc. Fazemos isso de maneira tão automática que muitas vezes nos identificamos tão profundamente com esses rótulos que achamos que somos a nossa profissão, o nosso cargo, o nosso corpo, o nosso status, o quanto produzimos, as nossas emoções, nossos pensamentos, nossas crenças.
Mas todas essas coisas são transitórias, passageiras e finitas. Então quem você realmente é sob todas essas camadas? Absolutamente nada que é transitório e passageiro é quem nós somos.
Você não é o seu nome. Seu nome não foi escolhido por você, pois ele foi escolhido pelos seus pais, pelas pessoas que te criaram e te colocaram no mundo.
Você não é a sua profissão, nem o seu diploma e muito menos o seu cargo. Imagine que amanhã você perde o seu emprego, que na semana seguinte você estará desempregado, ou descobre que nunca mais vai poder exercer a sua profissão, o que aconteceria? Caso você nutra essa identificação irreal e ilusória de que você é esse trabalho, esse cargo, essa profissão, e isso foi tirado de você, então você sentirá que perdeu tudo, você sentirá que não tem mais um propósito e uma missão de vida, você sentirá que não é alguém.
Eu não “sou” psicóloga, eu apenas “estou” psicóloga nesse intervalo de tempo, nessa fase da minha vida. Pode ser que ano que vem eu mude de área, pode ser que a vida me leve a trabalhar com alguma coisa totalmente diferente daqui a uns anos, pode ser que eu mude de país e nunca mais exerça a psicologia, pode ser que eu me torne mãe e nem queira mais trabalhar. Porém, a partir do momento em que eu depositar quem eu sou no rótulo de psicóloga e me identificar totalmente com isso, percebe como vai ser muito mais difícil seguir outros caminhos, fluir com a vida, tomar outras decisões, me desvincular, desapegar e não resistir as mudanças?
Em 2023, quando eu decidi dar um tempo na criação de conteúdo devido a uma experiência frustrante que vivi usando o marketing digital no meu trabalho, e parei de criar conteúdo, eu me identificava demais com a ideia de que “eu sou criadora de conteúdo”, e partir do momento em que decidi dar uma pausa e não criar mais conteúdo para as redes sociais, advinha o que aconteceu? Eu adoeci. Se eu não sou mais criadora de conteúdo, então quem eu sou? Se não estou mais criando, então quem eu sou? Nesse momento da minha vida, senti por diversas vezes que estava perdida, sem propósito, que minha existência não fazia sentido, que eu não minha um porquê maior.
É nesses momentos em que as pessoas se sentem perdidas, sem rumo e desconectadas da vida.
Toda vez que você se identifica de maneira tóxica com uma carreira, uma profissão, um cargo, uma área, e você acredita fielmente que isso define quem você, e isso é tirado de você, ou nada saí como você planejou, você sente aquele vazio que é difícil colocar em palavras, vem aquela sensação de que a vida está incompleta, vem aquela angústia inexplicável. O seu cargo, a sua profissão, uma carreira, é apenas quem você está. Quem você realmente é não é isso.
Se formos analisar esse contexto no macro, não faz sentido acharmos que somos o nosso cargo ou profissão, pois se formos considerar essa lógica, quer dizer que um desempregado não é ninguém, que uma criança não tem propósito, que um mendigo não é ninguém, que um aposentado é um fardo? É por isso que muitas pessoas entram em depressão quando são demitidas, tanto que estudos científicos da Psicologia Positiva mostram que, após uma demissão, a felicidade das pessoas não volta a ser a mesma de antes, o que é chamado pelos cientistas de “efeito cicatriz”. Outro fator é a depressão em idosos e aposentados. Se você acredita que é a sua profissão, e se essa profissão é tirada de você, você automaticamente sente que não é “ninguém”.
Também nos identificamos muito com as emoções, pensamentos e crenças que temos. A maioria das pessoas acredita que é a voz dentro de suas cabeças. Aquela voz que diz que são insuficientes, que estão fazendo pouco, que são inferiores, que nunca serão capazes de fazer algo grande. A maioria de nós acredita que é essa voz. Mas quem escuta essa voz? É você, certo? Então você não é essa voz. Na psicologia, essa voz é chamada de pensamentos automáticos. E como o próprio nome diz, são espontâneos e simplesmente aparecerem dentro da sua cabeça, você querendo ou não. Mas se você é capaz de observar esses pensamentos, então eles não são quem você realmente é.
Muitas pessoas se identificam com as suas emoções, e muito. Quantas pessoas, em processo de terapia, dizem para mim “eu sou ansioso”, “eu sou estressado”, “eu sou depressivo”, “eu sou impaciente”, e não. Você está essas emoções. Você não é ansioso, você está ansioso. Você não é depressivo, você está triste. Você não é estressado, você está estressado. Talvez as suas experiências e vivências ao longo da sua vida tenham te levado a sentir mais ansiedade, estresse ou tristeza, mas você definitivamente não é essas emoções. Elas não definem quem você é. Emoções são apenas estados emocionais. Quando eu era adolescente, eu me identificava demais com a minha solidão, por ter poucos amigos na época, por não ter um namorado, por não ter pessoas próximas, e sempre repetia para mim mesma que “eu era sozinha”, e, na verdade, não, eu apenas estava sozinha.
ESTAR ALGO É DIFERENTE DE SER ESSE ALGO.
Tem quem se identifique com o seu corpo. E pode ser que você ache que seu corpo é quem você é, mas e se amanhã você descobrir que não pode mais andar, que não pode mais ter os movimentos do seu corpo, quem você vai ser? Se cada pessoa com deficiência hoje em dia acreditasse que é o seu corpo, e ponto final, muitas delas não se sentiriam motivadas a seguir em frente, a construir uma vida melhor, a lutar pela realidade que sonham. Quando eu descobri que estava com o colesterol altíssimo, foi um choque emocional para mim, tanto que eu passei a acreditar que eu era a minha saúde, mas quem eu seria se a saúde não estivesse mais presente da mesma forma que antes? Fiquei meio paranoica, eu assumo, mas aí eu lembrei que a OMS (Organização Mundial da Saúde) diz que saúde não é ausência de doença, e própria psicologia não vê saúde como ausência de doença.
Uma pessoa pode ser saudável e mesmo assim, carregar uma doença consigo, ter um problema de saúde, ter recebido um diagnóstico; mas a partir do momento em que nos identificamos demais com um problema, e você começar a achar que você é o seu diagnóstico, a sua doença, a sua enfermidade, o seu transtorno, você vai sofrer de forma imensurável. Eu já tive a oportunidade de doar o meu cabelo para a GRAACC, e quando vi crianças com câncer terminal, sorrindo, alegres, brincando, curiosas, esperançosas, se divertindo, você descobre o que significa o autoconhecimento: acessar essa essência genuína dentro de você que crianças fazem com tanta facilidade.
Se você se identifica com a sua produtividade, e acredita que você é o quanto produz, nos dias em que você não produzir tão bem, você vai se sentir pior do que a mosca do cocô do cavalo do bandido. Se você se identifica com os seus relacionamentos, e acredita que você é o seu namoro, o seu casamento, a sua relação, se um dia você terminar, você vai sentir que uma parte de você morreu junto. Lembre-se: você está tudo isso.
Se você se identifica com o corpo jovem que tem hoje, quando você perceber os primeiros sinais de envelhecimento, de deterioração, de perca de vitalidade, das rugas, ou a velhice dando as caras, é como se uma parte da sua alma estivesse morrendo junto. Por isso algumas pessoas têm tanta dificuldade de aceitar a velhice: porque acreditam que são a juventude, que são o corpo jovem e forte, mas como eu falei, nada do que é transitório é quem você realmente é. Quanto mais você internalizar isso, mais a vida vai ser leve, fluída e compassiva.
Esse é o processo de autoconhecimento: desconstruir-se para acessar a sua verdadeira essência. É um processo longo, demorado e sem prazo. É para a vida toda, na verdade. Deixar de carregar esses rótulos pode ser desafiador, mas a paz e tranquilidade que vem disso, é impagável, e apenas assim para você acessar quem você realmente é, e isso é algo que você apenas vai descobrir, acessar e entender por si mesma, quando todos esses rótulos não definirem mais quem você é.
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