No mês de agosto, finalizei a game play do jogo Detroit Become Human no canal do YouTube do BKRsEdu; meu marido havia me sugerido de começarmos juntos, e apesar da minha falta de entusiasmo inicial em dar play nessa série, aceitei assistir o primeiro episódio da jornada de vídeos no canal do Edu, e me surpreendi quando me dei conta de que aquele primeiro contato com o jogo me impulsionou a continuar.
Se você nunca ouviu falar de Detroit Become Humam, vou te explicar: ele é um jogo para PlayStation e PC, que se passa no ano de 2048, se não me engano, onde a tecnologia avançou tanto a ponto de ser possível desenvolver androides com uma inteligência assustadora capazes de simular todos os comportamentos humanos de uma maneira fiel. A empresa responsável por isso, é chamada de CyberLife.
Isso teve consequências desastrosas para a cidade de Detroit, pois esses androides começaram a substituir o trabalho dos humanos; quase tudo é realizado e feito por eles, como atendentes em lojas, babás, empregadas domésticas, dirigir carros, etc., e o desemprego se tornou absurdo, tanto que muitos humanos não aceitam dividir o mesmo espaço com os androides e lutam para que sejam todos destruídos.
Se torna cada vez mais comum as famílias comprarem androides para realizarem atividades domésticas, cuidarem da casa e manterem as responsabilidades do lar, saindo para fazerem compras, realizando faxinas ou servindo como babás para os filhos.
O jogo conta a história de 3 androides principais: Kara, Marcus & Connor. E o que eles têm em comum? Eles se rebelaram contra suas próprias programações e começaram a agir por conta própria, fugindo do script no qual foram inicialmente programados e o mais importante: eles começam a sentir emoções humanas, ou pelo menos, simulá-las em seus códigos. Esse é um dos pontos centrais das três histórias apresentadas durante o jogo.
O motivo principal para os humanos odiarem os androides é porque eles são perfeitos. Literalmente, perfeitos. E quando digo perfeitos, estou falando de todos os requisitos que se encaixam nesse termo: eles não erram e nem falham e basicamente não há nada que possa ser melhorado ou aperfeiçoado neles, ou em suas funções. Sabendo disso, agora imagine um mundo onde essa perfeição é possível de ser encontrada. Quais seriam as consequências disso? Um mundo sem graça.
No jogo, você consegue ler as notícias de como está o mundo com o número maior de androides por meio de revistas digitais espalhadas pelos cenários, e todas mostram a inserção dos androides em competições esportivas, na literatura, no cinema, na arte, do teatro, na música, em tudo, e uma coisa que percebi é que a essência das competições perdeu o seu sentido. Qual seria a graça de humanos competirem com seres perfeitos & que são a prova de falha?
Passar por toda essa jornada assistindo outra pessoa jogando Detroit Become Human me trouxe três grandes reflexões: o poder da empatia & compaixão, a importância das emoções e o quanto o perfeccionismo é uma grande mentira que contamos a nós mesmos.
Quem busca perfeição está vivendo no mundo da fantasia
Ninguém está de fato buscando perfeição; estamos, na verdade, buscando excelência, e excelência não é sinônimo de perfeição. Quando buscamos a perfeição, estamos tentando atingir o ideal de que não existem mais melhorias, aperfeiçoamentos e crescimento a serem realizados, e não existe nada no mundo, a não ser Deus, que se enquadre nesse requisito de não ter o que melhorar. Nada. Se a perfeição fosse algo possível, nossos empregos perderiam o seu sentido e propósito, porque a maioria dos empregos é sobre melhorar algo em algum aspecto, seja em nível individual, coletivo ou social.
Há algo para ser melhorado em absolutamente tudo, e essa é a graça da vida. O sentido da vida está em trabalharmos, nos dedicarmos e nos esforçarmos para melhorar & crescer em algum aspecto dela. Se alcançar a perfeição fosse possível, chegaríamos em um momento em que levantar da cama não teria propósito algum, porque não haveria mais nada a ser melhorado. Estamos todos em um processo contínuo de melhoria. Alcançar a perfeição supõe chegar em um patamar em que não há mais o que ser melhorado. Imagine se todas as empresas, companhias e serviços acreditassem nisso, o quanto elas pararam de avançar & evoluir? Então por que nos obrigamos a alcançar essa perfeição?
Como no jogo Detroit Become Human, os androides cantam, tocam, jogam & criam com perfeição; não há o que ser melhorado na performance deles; é por isso que os humanos os odeiam tanto, e por isso essas grandes artes perderam o seu real valor e as competições ficaram sem graça e de certa maneira, injustas. Eles não falham e nem erram em seu desempenho; são impecáveis desde a primeira vez que tocam um piano, que escrevem um texto, que compõem uma canção. Uma vida assim valeria a pena?
Sentir é o que nos torna humanos
O grande despertar de consciência dos androides aconteceu no exato momento em que as situações e vivências do cotidiano começaram a incomodá-los e causar desconforto dentro deles. Imagine você passar por uma situação horrível e desagradável, e não sentir absolutamente nada, e por não sentir, você não age, você não se mobiliza, não se movimenta. Isso seria claustrofóbico apenas de imaginar. As emoções nos dão impulso de ação, nos inclinam a certos comportamentos e a reagir de um determinado jeito.
A partir do momento em que eles começam a sentir emoções, a simular como seria o lado emocional e a transitar por diferentes sensações internas, é quando os androides começam a agir por si próprio, começam a ter autonomia em suas decisões & escolhas e seguir a sua intuição e intenção frente a novas situações. Sem as emoções, eles não estavam nem aí para nada ao redor e seguiam a vida obedecendo comandos, sendo marionetes e seguindo todas as ordens que recebiam.
Algumas situações foram tão intensas e desconfortáveis, que ali nasceu uma pequena emoções que foi se instalando e abrindo espaço para uma fuga desse roteiro pré-estabelecido. Foi assim com Kara, ao ver uma criança sendo agredida e abusada pelo próprio pai. Foi assim com Marcus, ao vivenciar a morte do seu “dono” que o tratou com tanta gentileza & foi assim com Connor. O desenvolvimento de uma consciência capaz de pensar por si próprias surgiu a partir de grandes desconfortos que geraram emoções intensas que os fizeram se movimentar em outras direções.
Esse é o papel das nossas emoções.
Hoje temos um culto a racionalidade e a frieza emocional. Hoje as pessoas admiram pessoas “frias & calculistas”, mas sabia que não foi a racionalidade que permitiu que nossos ancestrais sobrevivessem? E sim a emoção? Nos momentos em que você precisa agir rápido e instantaneamente, não é a sua racionalidade que ativa isso, mas sim todo o seu sistema de sobrevivência que é automático e ligado as emoções. Se você se deparar com uma cobra na sua frente, não é a sua racionalidade que vai te fazer correr dela, e sim uma reação automática interligado as suas emoções. Em situações de perigo, a parte do nosso cérebro mais racional desliga e dá espaço a uma mais “emocional”.
Não querer sentir é fraqueza. Nós descendemos dos fracos, medrosos, ansiosos e não dos fortes e racionais. Se sentir não fosse importante, as emoções teriam se perdido nos milhões de anos da história do ser humano.
A empatia muda as pessoas e as pessoas mudam o mundo
No jogo Detroit Become Human, a cidade ficou dividida entre dois grupos de pessoas: aquelas que defendiam e compreendiam os androides e aquelas que os odiavam a ponto de querer vê-los exterminados. E assistir toda a violência, crueldade & injustiça com que eles eram tratados pelos humanos foi muito doloroso de ver; mesmo sabendo que é apenas um jogo de vídeo-game, um pouco daquilo retrata a realidade que vivemos no mundo real atualmente, e isso me deixa um pouco triste.
Empatia não é um dom, mas é uma virtude, e como virtude, ela pode ser desenvolvida e trabalhada em nossa postura, relações & conduta no dia a dia. Mas para cultivá-la, eu acredito que o primeiro ponto é estarmos dispostos a compreender o ponto do outro, a história do outro, o sofrimento do outro. Podemos não compreender algo inicialmente, mas podemos estar dispostos a tentar compreender no momento seguinte. Só esse interesse em tentar já faz uma grande diferença. Hoje, nem tentar queremos.
A Rose foi uma das humanas que simpatizou com a causa dos androides, e percebeu neles mais humanidade do que nos próprios humanos. Ela estendeu a sua mão, ofereceu abrigo, deu suporte, ouviu e viu neles algo que merecesse ser mantido e cuidado. Enquanto outros, os viam como máquinas e coisas, sem qualquer tipo de importância ou valor.
A parte mais linda de todo o jogo foi nas últimas cenas em que Marcus começa a cantar uma música com uma letra sobre força, persistência e resistência diante de um exército armado preparados para matá-los a sangue-frio, mesmo eles optando por se manterem pacíficos em toda a sua manifestação em busca de liberdade. Quando Marcus cantou, os soldados pararam de apontar as suas armas e não atiraram. O que aprendemos com essa cena? Quando estiver entre a vida e a morte, cante. Brincadeira.
Acredito que os ver cantando - e cantar é a capacidade de expressar ideias, sensações, emoções, sofrimentos e angústias - de uma maneira tão humana, ativou uma parte empática que todos nós carregamos, mas que diante de um ego que o tempo todo julga, rótula, crítica e se vê ameaçado, esquecemos que temos. Ouça aqui a música que o Markus cantou nessa cena final (clique aqui).
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