Como continuar amando o que não é mais seu? Como fazer um voto de permanecer se tudo o que te fazia ficar foi embora? Eu achei que criaria raízes profundas capazes de me segurar caso eu quisesse partir, mas o problema é que essas raízes não eram fundas o bastante e eu estava frágil demais para tentar me manter no mesmo metro quadrado.
Faz tempo que não chamo a gente de lar, faz tempo que já não me sinto em casa, a vontade, com a confiança necessária para deitar & fechar os olhos, sabendo que alguém vai me segurar caso eu esteja prestes a cair. Faz tempo que não posso me demorar entre abraços tão conhecidos sem esperar que eu não saia machucada, ferida, decepcionada.
A casa onde estou é tão vazia quanto tudo dentro de mim. É difícil amar o que eu sei que outras pessoas colocaram o dedo, as mãos, os corpos. Outras pessoas te invadiram e eu não sei o que fazer a não ser te encarar com os meus olhos derrotados. Te defendem por força do hábito, por amor a mim, mas não basta. Dizem que o amor não vai embora assim, mas a dor diz que agora já não importa mais.
Há outros corpos te tocando, há outras mãos te preenchendo, há outros ocupando qualquer espaço de você, mas nada disso vai embora, apesar da minha insistência, apesar dos meus pedidos. Quem fica em você, apesar de mim, te deixa mais ácido do que de costume. Prefiro me rasgar ao meio do que pensar em te dividir com mais alguém que não nós dois.
Não quero reaprender a te amar. Há manchas demais para tentar apagar e minhas mãos já estão esfoladas tentando fazer tudo voltar ao antes. O destino venceu, ou foi o meu carma sendo pago, ou os pecados de vidas passadas voltando para cobrar sua parcela da dívida, ou o universo me ensinando a grande lição. Quanto mais me demoro nessa história, menos elegante é a minha paciência.
Porque será que quando a gente quer tanto alguma coisa, o tempo passa a se mover como se tudo fosse uma partida interminável de xadrez? Tão lento e vagaroso que chega a ser horroroso ter de esperar por um sinal do que fazer. Tem muitas portas abertas ao redor de mim, mas a única que eu queria atravessar era a da saída. Queria me dar a chance de um recomeço, de uma página em branco, mesmo que isso me obrigasse a viver o luto das partidas, a dor das despedidas e a angústia da saudade.
Como pode o amor morrer se ele estava derramado nessas paredes? Como pode o amor partir se ele estava desenhado em cada canto por aqui? Alguém arrancou brutalmente toda a leveza e colocou no lugar pesos que mal suporto carregar. Encaro os móveis velhos com sede da partida, com vontade de transformar tudo em uma memória triste que começou feliz e terminou trágica.
O amor fica pelo cuidado, mas e quando não existe mais do que cuidar, o que sobra? Quando todo aquele amor suave e sensível se transforma em algo bruto e ríspido? Me aterrorizo quando estou nos braços de algo que é capaz de me deixar mais ansiosa que estar nua em uma floresta tropical, sem abrigo, sem proteção, com falta de aconchego. Foi aqui que descobri que o meu melhor lado era do avesso, e agora mal consigo entrar dentro de mim novamente.
Os pratos sujos na pia, a cama bagunçada, o rosto amassado da noite mal dormida, as taças de vinho espalhadas, as roupas jogadas pela casa… Tudo é um retrato amargo, velho e dolorido das memórias que me deixam aturdida e em agonia. Nenhuma dor me deixa livre o bastante para ir até lá e arrumar as prateleiras, pendurar a roupa & acender um incenso. Tudo costumava ser sobre as lembranças que estávamos construindo juntos. Hoje é sobre criar novas, mesmo sabendo que não será só contigo.
Tenho medo de não me recuperar. O perigo de se ferir tanto por dentro é que pode chegar o momento em que as hemorragias da alma não vão encontrar o caminho do pare. Torço para ser verdade essa história de que o amor encontra o caminho de volta, mas se não for como dizem, vou lembrar de dias como hoje: de quando fiz as malas e parti, mesmo meu corpo tendo ficado, de como meus olhos disseram adeus muito antes da minha boca falar qualquer coisa, como as minhas mãos se calaram quando te toquei e tudo continuou silencioso.
Para cada flor morta do jardim, eu escrevi um poema para eternizar a sua vinda, e esquecer a sua partida. Eu queria ter me tornado um império do teu lado, mas você me deixou em ruínas. Em nome do amor, me pergunto como que faz para voltar a amar o que nunca foi seu de verdade? Eu tenho certeza que entendi o recado do universo: o que realmente for nosso não vai embora. Você foi. Eu acabei arrumando um lugar na minha vida para o amor ficar, mas, no fundo, eu queria mesmo era arrumar uma vida com amor.
O nosso amor fica no quarto dos fundos, no quarto de hóspedes, porque eu desisti de deixar ele espalhado por cada canto dessa casa só para alguém - você - vir pisar como se fosse apenas um detalhe minusculo que passa despercebido.
Desisti de tentar abrir espaço em meio a bagunça, ao caos e aos desencontros; eu prefiro deixar tudo mato, deixar que a poeira tome conta, que os insetos façam morada, que a vista se torne imunda. É, eu prefiro, do que me desgastar por alguém que nunca será meu de novo. Te roubaram de mim, e eu não sei onde te procurar para conseguir ter eu mesma de volta.
Comentários
Postar um comentário