Eu já entendi que a vida, ao mesmo tempo que nos dá coisas, também nos arranca outras. E todas às vezes que ela faz isso, ainda sangra, ainda doí, ainda saio de alguma forma, machucada. A gente esbarra com tantas coisas bonitas & doces, e na metade do caminho e no meio dos desencontros, dobramos por esquinas que nunca imaginamos atravessar um pouco mais amargas e cruéis.
Por bastante tempo acreditei que nunca fosse me tornar a pessoa do deixar ir; aquela que sabe a hora de chutar o balde, de dizer o adeus engasgado na garganta, de ligar o modo foda-se no momento certo, que vira às costas quando bem entende, que não deixa os desaforos ocuparem tanto espaço assim. Ainda não me transformei nessa versão com totalidade & plenitude, mas acho tenho conseguido fingir muito bem ser ela.
Não sei se finjo muito bem, ou se digo a verdade quando falo a mim mesma que estou pronta para ir a qualquer momento, em uma manhã fria, em uma quarta-feira à tarde, depois de um treino da academia. Não queria ter aprendido a deixar as minhas malas prontas e muito menos o meu coração apontado para a saída, mas a vida nem tentou evitar de me ensinar a ser assim. Esses dias eu li uma frase que dizia: “a vida não te pergunta se você quer ser forte, ela te faz forte”; então é isso: a vida não pergunta o que você quer, ela acaba te dando o que você precisa.
A vida nunca me pergunta se eu quero ficar, se eu quero insistir, se eu quero dar mais uma chance, se eu quero permanecer; ela só faz o ficar ser cada vez mais dolorido, amargo, sofrido e devastador. Ela transforma o manter em algo insustentável. E tentar se prender a algo, a alguém, a uma situação, se acorrentar a algo que sabemos que não deveria ser mantido na nossa vida é como a sensação fatigante de sustentar um prédio de vinte andares nos ombros. Chega uma hora que o cansaço é inevitável.
E eu odeio a sensação de me sentir fraca por tentar caber em um lugar que já não está me deixando segura, firme & estável. Odeio a sensação de estar no limite, me equilibrando entre a necessidade de deixar ir e a vontade de ficar. Hoje eu percebo que viver em paz com a gente e um pouquinho com a vida é uma escolha que acontece entre o desapegar do que doí e o ficar quando realmente vale a pena. E todas às vezes, me pergunto: vale a pena?
Vale a pena desfazer a mala e parar de estar de prontidão para ir embora a qualquer momento? Uma parte de mim grita que não, e outra murmura que sim; eu sempre dou mais atenção a essa parte que grita até me deixar surda o bastante para não ouvir a outra. Vale a pena se prender, se acorrentar e se apegar as coisas, pessoas, desejos? Não sei dizer ao certo, mas eu ainda estou aprendendo a soltar & deixa ir.
Algumas vezes doí mais que outras, outras, é como um sopro rápido, às vezes é o tempo suficiente de uma lágrima escorrendo pela bochecha, outras é a eternidade entre um nascer do sol e o pôr do sol. Desapegar é dizer adeus a uma parte nossa que o outro morou, que o sentimento ocupou & que a experiência tocou. Deixar ir parece um grito de socorro entalado na garganta. A gente precisa deixar ir o motivo das nossas dores, das nossas angústias, das nossas cargas pesadas, seja esse motivo um relacionamento, um trabalho, uma carreira, um sentimento ruim que nos visita.
Quanto mais a gente deixa algumas dores conosco, morando no peito, se abrigando dentro de nós, menos força temos para continuar e nos sustentar aqui fora.
Eu sempre tento me deixar ir, ou tento deixar a vida levar o que precisa de mim, seja o que for. Me arrancar de muitos lugares pelos quais passei, de pessoas que visitei, de planos que rabisquei é dolorido; me ausentar de tudo isso por escolha própria ainda não é algo que faço com maturidade & sensatez; muitas vezes me deixo ir aos trancos e barrancos, em meio a tropeços e entraves, mas deixo ir, mesmo sabendo que vai doer e esmagar o peito. Quando é a vida que faz isso, quando é ela que dita quem fica, quem parte, quem diz adeus, eu choro toda vez.
Choro como uma criança de 5 anos que teve o seu brinquedo favorito quebrado e despedaçado. Choro porque sei que vou precisar me recompor nos próximos dez minutos porque a vida vai continuar de um jeito ou de outro. Choro porque entendo que ser adulta é sentir a dor de deixar ir e engolir calada a ausência que fica. Choro porque sei que preciso me deixar ir, me deixar partir, sem me deixar ser partida ao meio - de novo.
Choro porque, na maioria das vezes, em que vou embora, desapego, abro mão, estou querendo - na verdade - ficar, me apegar, agarrar com as mãos & não soltar nunca mais. Eu não sei onde deixei essa parte minha que diria sim a tudo isso, a parte que se deixaria ficar; não tenho mais essa coragem. Na minha cabeça é necessário ainda mais coragem para se apegar a algo e a alguém. Coragem para sentir de novo, para amar de novo, para se doar de novo. Não sei em que planeta ou universo minha coragem ficou.
A vida vai pedir - ou exigir - que você solte o que está doendo e machucando. Ela vai te obrigar a soltar qualquer dorzinha que esteja te fazendo ficar acordada às 1h da manhã de uma quarta-feira escrevendo um texto para uma espécie de diário virtual. E se você não deixar ir, se você não desapegar, ela vai tornar o ficar insustentável. Da mesma maneira que o destino nos presenteia com pessoas, coisas & situações, também temos que dar em troca os nossos pesares, deixar alguns tormentos no passado e seguir.
Não sei exatamente do que você precisa desapegar ou deixar ir, na sua história ou nesse breve instante da sua vida, talvez a dúvida entre ficar e se deixar ir esteja te destruindo por dentro, te dando dias sonolentos e noites de insônia, te tirando o apetite e abrindo uma fissura no meio do peito. Talvez, isso já até tenha partido e ido embora da sua vida, talvez a vida já tenha se encarregado de tirar as partes que não serviam. De qualquer maneira, desapegar é um ato de alívio, dor, cura & aceitação.
Doí e machuca, mas te faz crescer horrores.
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