Não me lembro exatamente em qual livro de psicologia li essa metáfora, mas ela tem me acompanhado até hoje: dois amigos estavam andando pelas ruas de Boston e um deles, inesperadamente, começa a bater a cabeça na parede, e o outro amigo, surpreso com a atitude dele, pergunta: “Porque do nada você começa a bater a cabeça na parede?”, e ele responde: “Para manter os elefantes afastados”; ao ouvir essa resposta, o amigo rebate dizendo: “Mas não há elefantes em Boston”, e o amigo diz em seguida: “Então está dando certo”.
Eu sei, essa metáfora é um absurdo, e até um pouco engraçada de tão ilógica que pode parecer, mas é exatamente isso que muitos de nós acabamos fazendo em diferentes momentos da nossa jornada: adotando muitos comportamentos que acreditamos que funcionam porque fazemos associações que não fazem o menor sentido. Ao longo desse post, eu explico um pouquinho mais de como fazemos isso, muitas vezes, sem perceber.
Se tem uma coisa que aprendi, seja lendo a Bíblia, ou estudando a Terapia de Aceitação e Compromisso, é que o sofrimento é inevitável e faz parte da nossa vida, é parte da nossa experiência como ser humano, e nunca conseguiremos fugir disso. Não existe nada que façamos que vai nos garantir que não iremos sofrer, chorar, ter o coração partido, sair feridos de uma situação ou machucados de uma relação, não importa o quanto acreditamos que estamos preparados para o pior. Não há garantias e não há uma apólice de seguro que a gente assine e pronto, somos impenetráveis.
E a maneira como a maioria de nós aprendeu a lidar com o sofrimento, paradoxalmente, aumenta ainda mais o sofrimento. A gente vive ao redor de uma cultura que dita que não podemos sofrer e que devemos fazer de tudo para evitar o sofrimento, basta olhar para os contos de fada, para todos os filmes com finais felizes, para os infinitos livros de autoajuda, para as promessas de produtos, comerciais de famílias felizes & radiantes. Tudo ao redor reforça essa mensagem de que o sofrimento deve ser eliminado e visto como um problema a ser “resolvido.”
O ser humano tem uma coisa inerente dentro de si: a busca - irracional - por controle; é, a gente gosta, até demais, dessa sensação de que possuímos algum controle sobre o que pode acontecer, gostarmos da falsa ilusão de que possuímos algum controle sobre o futuro. E estar sempre preparado para algo ruim acontecer, nos dá essa falsa sensação de que estamos seguros, que controlamos uma parte da nossa vida e que temos tudo sob o nosso controle. E a custa de quê? De muitas outras coisas.
Por mais que a gente tente controlar o futuro, o sofrimento é inevitável e algo inerente as nossas experiências.
Por muito tempo eu acreditei que a vida era sobre o que conquistamos ao longo dela, sobre as coisas que fazemos dar certo, sobre os nossos fracassos & vitórias. Foi nessa parte da minha vida que fiquei obcecada pelos meus objetivos, metas & planos a ponto de esquecer, pelo meio do caminho, minha saúde mental, meu bem-estar e outros pilares fundamentais da minha vida. A maioria de nós tem uma produtividade tóxica porque baseia a sua vida unicamente em metas.
E a verdade é que metas, objetivos e planos é uma tentativa; é como jogar na loteria: você pode ganhar ou perder. Quanto mais você tentar alcançar suas metas por meio de ações e atitudes, mais bilhetes você compra, e mais chances você tem, porém, não deixa de ser uma tentativa. Não controlamos se nossas intenções e desejos vão dar certo, ou errado, se serão frustrantes ou vão realmente se concretizar.
Cada coisa que desejamos e ansiamos na vida tem, estatisticamente, 50% de chance de dar certo e 50% de chance de dar errado. Se escolhemos olhar para os 50% que pode dar errado, é uma escolha, é uma decisão, é uma opção que fazemos. E escolher qual lado estar dessa equação depende de como você quer se sentir durante o processo. Porque tudo nessa vida é um risco, cada objetivo é um risco, cada intenção é um risco, mas como você quer se comportar, se sentir, qualquer você quer que seja a sua postura do ponto A até o ponto B?
E não me leve a mal, ter objetivos é muito importante, porque precisamos ter uma referência de onde queremos chegar e do que queremos construir para sabermos quais ações devemos adotar no momento presente, mas a vida não é sobre fazer algo dar certo insistentemente, mas é sobre agir baseado nos nossos valores e nas coisas que valorizamos; agir por valores & não metas.
Aprendemos a associar tudo na nossa vida sobre “dar certo” e “dar errado” que esquecemos que viver é sobre nos direcionarmos em direção aos nossos valores.
Na ACT (Terapia de Aceitação e Compromisso), valores são entendidos como direções de vida, qualidades pessoais que orientam nossas ações e dão sentido à nossa existência.
Quando somos guiados por valores, não ficamos obcecados e enclausurados na briga externa e interna de depender de um resultado; como falei antes, o resultado que desejamos alcançar em alguma coisa é uma tentativa, pode acontecer do que jeito que queremos ou podemos nos frustrar, mas ter valores como base nos impulsiona a refletir em: Como nos desenvolvemos durante o processo? Quem nos tornamos durante essa busca? Quais aspectos desenvolvemos? Como crescemos durante as nossas tentativas de realizar e fazer algo dar certo?
Entender isso é muito mais importante, significativo e transformador do que tentar se proteger a qualquer custo dos resultados ruins, porque eles vão acontecer, de um jeito ou de outro. E quando acontecer, o sofrimento vai ser inevitável, não importa o quanto a gente afirme a nos mesmos que estamos preparados. Se fosse assim, os consultórios psiquiátricos estariam vazios, certo? A gente só está preparado o bastante para lidar com uma situação ruim quando passamos por ela, antes disso, não.
Acreditamos que se preparar para o ruim faz as coisas ruins serem menos desagradáveis e desconfortáveis de lidar, mas, na verdade, é pior, ou que fazendo assim mantemos o negativo longe; é a mesma coisa que bater a cabeça na parede para manter os elefantes longe. Na ACT, chamamos a maneira como vivenciamos as dores da vida de sofrimento limpo (é o sofrimento natural, inevitável e diretamente ligado à experiência da vida; envolve emoções e sensações que surgem espontaneamente em situações difíceis, e esse sofrimento não precisa ser evitado) e sofrimento sujo (o sofrimento sujo não vem da dor em si, mas da forma como reagimos a ela, é como se colocássemos uma camada extra de dor sobre a dor original).
Estar sempre preparado para algo ruim acontecer, ou querer se controlar diante de uma frustração, para evitar uma dor e um sofrimento futuro diminui a nossa capacidade de saborear, desfrutar e contemplar as experiências positivas da vida (na psicologia positiva chamamos isso de savoring). Como vamos aproveitar com totalidade uma experiência positiva no momento presente se estamos já imaginando que o ruim vai acontecer, que aquilo um dia vai ter fim no futuro, que temos que nos preparar caso algo negativo aconteça? Às vezes, nem se quer damos o luxo de aproveitar algo por completo.
Por conta do viés da negatividade, a tendência natural da nossa mente é de focar no negativo; a nossa mente ama catastrofizar as coisas futuras, como uma tentativa de nos proteger. Olhar para o positivo, mesmo sabendo que há 50% de chance desse positivo acontecer, envolve treino, habilidade cognitiva & paciência, porque não é algo que fazemos com facilidade e naturalidade.
Eu sou apaixonada por Psicologia do Esporte, e ocasionalmente dedico um tempo para estudar um pouco mais sobre performance, principalmente no futebol, e algo que os atletas profissionais de futebol e qualquer outro esporte NÃO fazem é se preparar para o pior e nem para o ruim que pode acontecer. Na verdade, eles fazem o oposto; há muitas técnicas, por exemplo, de visualização (imagética mental), onde o jogador imagina a si mesmo jogando bem, fazendo passes, finalizações ou defesas com sucesso.
Isso ajuda o cérebro a “ensaiar” a performance, aumentando confiança, foco e controle motor. Além de técnicas de foco atencional e ancoragem no presente, sem se perder em distrações (tipo torcida, adversário, erro passado ou medo do resultado). O que aprendi assistindo futebol e estudando um pouquinho sobre, é que eles fazem - e precisam - fazer exatamente o contrário do que acreditamos que funciona no senso comum.
Voltando a falar sobre savoring, essa técnica pode ser vivenciada com experiências positivas passadas (reminiscência), com experiências positivas que estão acontecendo no momento presente (saborear o momento), ou até mesmo em experiências positivas antes delas ocorrerem (antecipação). Uma infinidade de estudos científicos apontam que o savoring traz muitos efeitos positivos na nossa vida, alguns deles:
1. Prevenção da depressão e de transtornos ansiosos
2. Melhor manejo do estresse
3. Aumenta o otimismo, a felicidade e a satisfação com a vida
4. Um recurso valioso no processo de luto
5. Melhoria da saúde física e imunológica
O savoring ativa regiões como o estriado ventral (inclusive o núcleo accumbens), ligado à motivação e prazer. Isso reforça o circuito dopaminérgico, aumentando sensações de alegria, prazer e entusiasmo. Envolve o córtex pré-frontal medial, que nos ajuda a modular emoções, avaliar situações e tomar decisões mais conscientes. Isso contribui para maior resiliência emocional e controle diante do estresse.
A prática de savoring altera estruturas e padrões cerebrais. Incrível, né?
A gente vive muito nessa cultura do motivacional a qualquer custo, e é muito comum ouvirmos: se você tivesse certeza que daria certo, o que você faria? se você tivesse certeza de que não vai falhar, que plano tiraria da gaveta e começaria amanhã? É engraçado que nunca fiz essa pergunta para mim, e quando faço, eu me pergunto exatamente o contrário, é algo que também pergunto para os meus pacientes:
Se você tivesse certeza de que daria errado, o que valeria a pena fazer mesmo assim? Se você tivesse certeza de que vai falhar, o que valeria a pena tentar, apesar disso? E sim, há coisas que vale a pena experimentar, tentar, se expor ao risco, se lançar mesmo sem ter certeza do resultado.
Mas e a frustração que vem, e o sofrimento que surge do que não dá certo? Se frustrar é muito bom, nos ajuda a entender que não somos o centro do universo, nos coloca de volta no nosso lugar, nos permite desenvolver valores como humildade e habilidades como resiliência. A dor tem mais a nos ensinar do que qualquer outra coisa nessa vida, mas isso fica para um próximo post.
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